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Ao assumir VEP, magistrado fala da experiência de atuar em Assis Brasil e Cruzeiro do Sul

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Em seus quase 11 anos de magistratura, o juiz Hugo Torquato deixa o interior e passa a ser titular da Vara de Execuções Penais (VEP) da Comarca de Rio Branco, compromisso assumido no dia 12 de maio, em plena pandemia por coronavírus, impondo novos desafios. Ele foi escolhido por unanimidade para responder pela unidade em concurso de remoção.

Hugo Torquato assume a responsabilidade de atuar em cinco mil processos, deixando em Cruzeiro do Sul um trabalho social e profissional elogiado por juristas e representantes da sociedade, entre eles a parceria com a Apadeq de Cruzeiro do Sul para a recuperação de dependentes químicos, o apoio na criação do Conservatório Musical do Juruá, entre outras ações que contribuíram para a proteção da criança e do adolescente e do apoio em melhorias para o setor da segurança pública.

Durante a sua atuação em Cruzeiro do Sul, o magistrado também desempenhou o papel de gestor como diretor do Foro de Cruzeiro do Sul de 2016 a 2018, além de participar de forma ativa como diretor da Associação dos Magistrados do Acre (Asmac), chegando a exercer o cargo de vice-presidente da entidade.

O mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Clássica de Lisboa, que ainda foi juiz da 4ª (Cruzeiro do Sul) e 6ª (Brasiléia) zonas eleitorais, coautor do livro Leis Penais Comentadas e autor de trabalhos publicados na Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e no Conjur, Hugo Torquato concedeu entrevista para falar sobre a atuação dele no interior e as expectativas a frente da nova unidade.

Repórter – Depois de anos atuando no interior, o senhor passa a responder por uma unidade em Rio Branco. Qual é o sentimento nesta nova experiência?

Hugo Torquato – Nos anos de 2010 e 2017 o Tribunal de Justiça do Estado do Acre promoveu alterações importantes em sua organização judiciária, equiparando hierarquicamente sete comarcas do interior à capital. A medida ampliou as opções dos magistrados, que podem escolher atuar em comarcas do interior sem qualquer prejuízo à progressão na carreira. Isso significa que, nos próximos anos, poderemos ter desembargadores oriundos do ofício judicial de Cruzeiro do Sul, Senador Guiomard, Epitaciolândia ou outra comarca de entrância final.

Atuar como magistrado em qualquer lugar do Acre é um privilégio. Não falo apenas pela história riquíssima do Estado, que já instituiu sua própria república em três ocasiões, mas também por muitas outras características que tornam o Acre um lugar ímpar.

Temos uma das nove tríplices fronteiras do Brasil. Nossa proximidade com outros países nos traz uma infinidade de possibilidades e amplia nossos horizontes até os limites do pacífico. Nos últimos anos, o Tribunal de Justiça construiu importantes tratados de cooperação direta e inaugurou a possibilidade de realização de intercâmbios judiciais e acadêmicos de forma permanente.

Convivemos harmônica e fraternalmente com povos tradicionais que recebem amplo destaque no cenário internacional. É comum nos depararmos, nos vôos para Cruzeiro do Sul, com estrangeiros de várias origens se deslocando a Marechal Thaumaturgo para aprenderem com a sabedoria e a cultura dos Ashaninkas.

E não podemos esquecer de que o Acre é exemplo mundial de preservação ambiental, ofertando, principalmente no interior, paisagens exuberantes e uma qualidade de vida diferenciada. Ao mesmo tempo, é notório que o empreendedorismo privado e o suporte estrutural da gestão pública vem possibilitando o desenvolvimento gradual dos Municípios, cada vez mais confortáveis e com melhores opções de lazer e moradia.

E, assim, a experiência de mudança para a capital, ao tempo em que carrega a alegria da novidade, reforça o meu apreço pelo interior do Acre, a quem devo quase onze anos de experiências muito felizes.

Repórter – O senhor pode apontar algumas experiências positivas como juiz em Assis Brasil e Cruzeiro do Sul?

Hugo Torquato – Assumi o cargo de magistrado em 2009, poucos anos após a criação do Conselho Nacional de Justiça. Estávamos no meio de uma completa mudança de paradigma no Judiciário, em busca de rotinas que pudessem alçar nossa eficiência aos patamares que são empregados pela iniciativa privada. Muitas vezes, contudo, os relatórios e metas que nos são impostos parecem nos afastar dos objetivos mais humanitários da magistratura.

Ao mesmo tempo, cada magistrado tem incutida em sua consciência uma concepção particular de sua missão como julgador. Esse sentimento é muito forte na magistratura do Acre e o entusiasmo da nossa decana, Desembargadora Eva Evangelista, reforça em cada magistrado a importância de se envolver verdadeiramente com a jurisdição. A Desembargadora Regina Ferrari costuma mencionar que é importante voltar no tempo de vez em quando e lembrar daquilo que prometemos à nossa própria consciência (ou a Deus) quando a magistratura ainda era um sonho. Tais promessas precisam ser cumpridas e devem servir de norte para a nossa atuação profissional.

Tive ainda a felicidade de conviver com advogados experientes, especialmente em Cruzeiro do Sul, que me ensinaram que é possível harmonizar o papel tradicional da magistratura e da advocacia com as exigências de eficiência próprias do nosso tempo. Aliás, estes profissionais moldaram um ambiente altamente respeitoso e elevado, que durante a maior parte do tempo manteve a magistratura e a advocacia do Juruá imunes aos desencontros que ocorriam entre as duas instituições nacionalmente.

No final daquele primeiro ano atuei no exercício da titularidade da 1ª Vara Criminal de Cruzeiro do Sul e dividia diariamente ideias e preocupações com o Promotor Iverson Bueno. Anos mais tarde pudemos trabalhar juntos em diversas frentes de modificação social, estabelecendo mecanismos que já se consolidaram e hoje beneficiam centenas de pessoas.

E foi assim que deliberamos que, desde que juridicamente possível e compatível com os interesses das vítimas de crimes, evitaríamos a imposição de medida de prisão a réus dependentes químicos. Estabelecemos uma parceria complexa com a Apadeq, que passou a disponibilizar leitos permanentes para o Poder Judiciário e se incumbiu de atuar como local de cumprimento de pena e de medidas de internação. A experiência foi tão bem sucedida que foi aprimorada e implantada com sucesso pelo Juiz Alex Oivane nas Comarcas de Feijó e Assis Brasil, recuperando centenas de pessoas e restabelecendo a paz em suas famílias.

Fizemos diversas intervenções em favor das Polícias, do Iapen e do Exército, com permanente cuidado para contornar eventuais deficiências materiais que estivessem enfrentando. E assim conseguimos instalar uma nova, digna e ampla penitenciária feminina, promovemos reparos de viaturas, auxiliamos na reativação do Giro/PMAC, possibilitamos a construção do novo CIOSP, auxiliamos a Polícia Civil com equipamentos, demos suporte à instalação do trabalho com cães farejadores, concretizamos a criação e ampliação do sistema de videomonitoramento da Cidade de Cruzeiro do Sul a partir da utilização de uma tecnologia altamente eficiente e barata e provocamos a especialização das competências de proteção à mulher e execução penal na comarca de Cruzeiro do Sul.

Entendíamos também que o ensino da música poderia mudar a perspectiva dos nossos jovens e estabelecer um novo futuro para a sociedade cruzeirense. Em um trabalho conjunto entre o Ministério Público, a banda de música do 61º Batalhão de Infantaria de Selva e o Poder Judiciário conseguimos implantar o Conservatório Musical do Juruá, que já leva o ensino de música erudita a mais de 400 crianças carentes.

Em Assis Brasil havia um problema maior com crianças e adolescentes em condição de vulnerabilidade, inclusive sujeitos ao tráfico de pessoas, dada a posição fronteiriça. Meu maior foco na comarca foi a estruturação do trabalho dos agentes de proteção e o aprimoramento da cultura de cuidado com os nossos pequenos. Tornaram-se rotina as fiscalizações de horários e locais impróprios para a permanência de crianças e adolescentes e firmamos parceria com o Ministério Público peruano para que tal controle também ocorresse na cidade de Iñapari.

Todos esses projetos contaram com o pleno apoio da Administração Superior do Tribunal de Justiça e do Ministério Público e foram amplamente divulgados e incentivados.

Repórter – Ser magistrado no interior é estar ainda mais próximo da comunidade, das pessoas mais simples?
Hugo Torquato – Embora tenhamos uma quantidade de juízes compatível com os padrões recomendados internacionalmente (7 juízes a cada 100 mil habitantes), temos uma taxa de litigiosidade altíssima. Essa realidade eleva muito a quantidade de processos sob responsabilidade de cada magistrado, tanto na capital quanto no interior.

Por outro lado, a rotina do juiz no interior é mais entrelaçada com a da comunidade, o que potencializa não apenas a proximidade, mas a visibilidade do magistrado como exemplo e como referência.

 

Repórter – Como é assumir uma nova missão em plena pandemia, em que estão sendo implementados mecanismos tecnológicos que buscam manter o funcionamento do Poder Judiciário neste momento? 

Hugo Torquato – O Tribunal de Justiça do Acre está preparado para o trabalho remoto desde o ano de 2012, quando nossos processos passaram a ser totalmente digitais. A primeira audiência por videoconferência ocorreu no ano de 2010, entre Cruzeiro do Sul e Marechal Thaumaturgo, e desde então diversas outras experiências do mesmo tipo foram implementadas nas mais variadas unidades jurisdicionais do Acre.

O Judiciário acreano está, literalmente, muito à frente do seu tempo e hoje colhemos os frutos da postura visionária dos gestores que passaram pelo Tribunal. E não podemos perder de vista que somos responsáveis por resguardar a incolumidade do ordenamento jurídico, a estabilidade do sistema e os direitos das pessoas. Precisamos estar prontos para qualquer situação – e efetivamente estamos.

Acabei de assumir um acervo de quase 5 mil processos movimentando uma única folha de papel, que foi o termo de entrada em exercício. No mesmo dia tive acesso à equipe da VEP, virtualmente, e passei a despachar regularmente, dando continuidade ao trabalho que estava sendo (muito bem) desenvolvido pela Juíza Adimaura Cruz, sem qualquer dificuldade e com todo apoio da Corregedoria e da Presidência.


Repórter – Qual a mensagem que o senhor deixa para o magistrado que assumirá sua antiga unidade?
Hugo Torquato – Iniciei a titularidade da 2ª Vara Cível de Cruzeiro do Sul após um trabalho muito bem conduzido pelo Juiz José Wagner Alcântara e pela equipe fantástica de servidores da secretaria e do gabinete. Penso que cada unidade judiciária agrega em sua história um pouco do trabalho de seus juízes e servidores, e assim nós desenvolvemos de forma rica e heterogênea.

Sei que o magistrado que assumir a unidade irá empregar o seu melhor para que o trabalho continue evoluindo. Neste interregno, a 2ª Vara Cível estará sob os cuidados do Juiz Erik Farhat, que é uma referência de conhecimento, competência e capacidade de gestão. Desejo muito sucesso ao próximo titular e faço votos de que a jurisdição seja sempre motivo de felicidade em sua vida.

Repórter – Tem alguma pergunta que nunca foi realizada para o senhor e gostaria que ela fosse feita?

Hugo Torquato – Há algo que incita minha reflexão há alguns anos. Hoje consideramos inquestionável a impossibilidade de se escravizar um outro ser humano. Porém, essa prática foi rotina em um passado recente. Nesse momento eu sonho com um mundo em que não tenhamos que manter seres humanos presos e imagino que, no futuro, sentiremos constrangimento pela pouca civilidade que vivenciamos no presente.