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Excessos cometidos durante operação militar em presídio no interior do Acre ainda repercutem

Dezenas de representações foram apresentadas à Justiça acreana após a realização da “Operação Thaumaturgo” pelo Exército Brasileiro, no dia 11 de julho de 2017.

Durante mais de um mês foram ouvidas testemunhas, analisadas as imagens das câmeras de segurança do complexo prisional e estudadas as informações produzidas pela perícia médico-legal. O conjunto foi sugestivo da ocorrência generalizada de agressões físicas, choques elétricos, mordidas de cachorro, disparos com munição de elastômero, uso indiscriminado de spray de pimenta e outros excessos.

Os relatos dos internos impressionam. Um dos custodiados, preso provisório conduzido para julgamento na data da operação, narrou ter tentado se matar após um nível intolerável de violência. De fato, há registros de que a tentativa de suicídio foi contida por policiais militares e consignada em ata de Sessão de Julgamento da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cruzeiro do Sul.

Outros narram que os executores pareciam se regalar com a diligência e que, em meio a ordens para que os cães farejadores mordessem os custodiados, afrouxavam e apertavam de volta as coleiras dos animais, enquanto os presos tentavam se esquivar das mordidas. Vídeos do circuito interno do complexo prisional registraram esta dinâmica. A perícia médico-legal avaliou e fotografou todas as lesões provocadas.

Os excessos, longe de representarem qualquer benefício para a segurança pública, alimentaram um intenso ciclo de ódio na cidade de Cruzeiro do Sul.

Dados dos setores de inteligência revelam incremento sem precedentes na quantidade de delitos praticados com emprego de violência ou grave ameaça.

Duas semanas após a operação ocorreu fuga massiva de custodiados da unidade penitenciária local. Houve incêndios a residências de policiais e, recentemente, foi assassinado um agente penitenciário. Dezenas de agentes públicos da comarca, dentre eles juízes, promotores, delegados, policiais e agentes penitenciários, encontram-se atualmente sob ameaça.

Não obstante, não há efetivo apoio de tropas da União para solução dos problemas causados, de modo que todos os esforços pertinentes continuam sendo feitos em sua quase totalidade pelas forças estaduais.

A Justiça concluiu que o procedimento militar violou ao menos quatro tratados internacionais, além de direitos previstos na legislação interna reguladora da Execução Penal e da proteção contra a tortura.

Por provocação do Poder Judiciário acreano foram instaurados procedimentos investigatórios pela Procuradoria Regional da República da 1ª Região, pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pelo Comando Militar da Amazônia.

Os fatos foram comunicados também ao Conselho Nacional do Ministério Público, ao Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, à Defensoria Pública da União e à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, para adoção de providências dentro de seus respectivos âmbitos de atuação.

Os excessos poderão acarretar, ainda, a responsabilização do Estado Brasileiro perante Tribunais Internacionais.

O caso ganhou repercussão nacional após a obstrução do acesso do Poder Judiciário ao local da operação. Não é missão da Justiça a defesa de infratores, mas a asseguração da autoridade da lei, indistintamente, entre ricos e pobres, inclusive em relação aos que têm o dever de manter a ordem e detém a força para consecução desta garantia.

A Associação dos Magistrados do Acre considera gravíssima a notícia de que agentes públicos responsáveis pela proteção da ordem jurídica nacional teriam se aproveitado da ausência de controle externo da diligência para darem vazão a instintos menores, que em nada contribuem para a segurança da população.

A ASMAC registra ainda que, em caso de arquivamento imotivado dos procedimentos apuratórios instaurados, levará o caso e todas as provas produzidas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nos moldes do artigo 46 do Pacto de San Jose da Costa Rica, sem prejuízo da provocação da Associação dos Magistrados Brasileiros para adoção das providências cabíveis junto aos tribunais superiores.